Simplificando Cinema #106
O suposto "tarifaço" de Trump contra o Brasil e a possibilidade de fortalecer a indústria audiovisual com outros parceiros simpáticos ao multilateralismo.
Nos últimos dias, os brasileiros vêm acompanhando o desenrolar das ameaças de um novo arcabouço tarifário sobre o Brasil criado pelo infelizmente presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Em uma defesa mal feita e totalmente infundada para tentar livrar o felizmente ex-presidente Jair Bolsonaro da prisão, o ditador do império em decadência achou que ainda estávamos na década de 1960 para acatar os mandos da dita “maior democracia do mundo”.
A verdade é que, além de não se acanhar, o Brasil de 2025 presidido agora, felizmente, por Lula, não quis saber de abaixar o tom e os respingos da reciprocidade tarifária pode atingir até mesmo o mercado audiovisual, em meio de uma disputa acirrada com o lobby dos conglomerados hollywoodianos para tentar aprovar alguma regulação e estabilidade no streaming.
Um dia após a infame carta de Trump a Lula, a notícia mais comentada na internet foi a possibilidade do governo brasileiro quebrar patentes de medicamentos, aumento de tarifas para diversos produtos norte-americanos e ainda uma subida na tributação de livros e filmes advindos de lá.
O tom mais sério do governo pode beneficiar todo um setor que espera por uma definição, já bastante tardia, sobre a regulamentação das plataformas de streaming e pode recolocar na discussão os 12% de Condecine exigidos pelas associações e sindicatos da indústria, sendo este o mais justo possível diante da importância do mercado brasileiro para os conglomerados.
No entanto, nenhuma articulação do lado da Ancine ou do Ministério da Cultura foi feita até o fechamento desta edição, o que nos deixa com um grande ponto de interrogação para o futuro desta pauta atrasada, uma vez que a própria secretária do Audiovisual, Joelma Gonzaga, já reforçou sua defesa em 6%.
Ainda assim, a resposta do Brasil acabou se alinhando a outros países que receberam com preocupação a possível taxação de 100% em filmes produzidos fora dos Estados Unidos, algo que afetaria bastante políticas de atração de filmagens, fazendo com que os principais estúdios mudassem suas estratégias e passassem a nacionalizar novamente a produção,
Sem se aprofundar nesta ameaça, que até o momento permanece sem nenhum efeito prático, Trump estimulou que analistas de mercados que abraçam filmagens dos Estados Unidos fizessem seus próprios editoriais para entender qual seria o impacto.
Por parte do México, o impacto maior para o país seria a possibilidade do fim das coproduções, visto que produtores norte-americanos poderiam deixar de selar estes acordos por conta da possível tarifa, fechando negócio apenas internamente.
Por outro lado, para a comercialização e distribuição de filmes mexicanos, o país não vê o possível “tarifaço” como ameaça, já que sendo o maior mercado da América Latina, tem acordos internacionais importantes com a Europa, especialmente com a Espanha, que vem sendo uma das maiores parceiras para os latinos nos últimos anos.
Já para o Uruguai, que vem solidificando a sua Film Commission como a mais transparente e confiável das Américas, o anúncio de meses atrás pode até acender um alerta, mas ainda não um grande alarme.
Similar a situação mexicana, o Uruguai poderia perder um pouco da entrada de dólares na economia audiovisual, já que nos últimos anos o país conseguiu atrair importantes produções hollywoodianas que não conseguiram encontrar condições favoráveis de dedução fiscal ou o famoso cash rebate (retorno de parte do investido pela produção) dentro dos Estados Unidos, mas, ao mesmo tempo, tem acordos bastante firmes com outros latinos e europeus, que compreende quase 80% dos negócios da indústria criativa local no que diz respeito à internacionalização.
Diferente do que já se veiculou na boca de economistas pouco capacitados no tema ou em blogs que querem pegar o barco da discussão já em alto mar, as ameaças de Trump fariam com que os Estados Unidos se fechasse ao comércio exterior, mas sem tão grandes impactos aos estúdios, uma vez que o país possui cerca de 80% da receita mundial em bilheteria, streaming e outras mídias, o que daria ao país uma noção de autossustentabilidade ainda por algum tempo.
De toda forma, gostaríamos de ver um movimento coordenado na maior cobrança da Condecine para as plataformas de streaming, encurraladas agora pelas declarações do presidente em também não fazer questão de negociar com o Brasil, ao mesmo tempo que políticas de internacionalização com outros países se fortalecerem para investir este novo orçamento numa sustentabilidade a longo prazo.
SPCine firma acordo com a Colômbia durante o Bogotá Audiovisual Market
Entre os dias 14 e 18 julho, ocorre o Bogotá Audiovisual Market, na Colômbia, um dos eventos de mercado audiovisual mais importantes para a América Latina. Este ano, a boa notícia fica por conta da parceria selada entre SPCine e o Proimágenes Colômbia, visando estimular a coprodução entre os dois países, que envolve também a formação de profissionais em ambos países e o intercâmbio de políticas públicas.
O acordo será assinado dia 16 de julho durante o painel sobre os 10 anos da SPCine e contará com a presença da atual presidente do órgão, Lyara Oliveira.
Além do painel sobre a empresa, a SPCine também vai participar de outras atividades durante o evento, incluindo um pitching de projetos colombianos interessados nos mecanismos de coprodução. (No TelaViva)
Cinema e os Levantes populares: A Guerra da Água na Bolívia
Basta ligar a TV nos noticiários que você vai ao encontro do que estou me referindo: toda essa bravata insana de um presidente eleito democraticamente em um país com uma história e cultura muito diferente da nossa, onde a democracia é exercida por apenas dois partidos de direita que adota desde sua independência, uma política de intervenção em outros países, principalmente na América Latina, seja na porrada, na coerção, no embargo, ou cultural. Estou falando dos EUA e de seu atual presidente, Donald Trump.
Outra questão é a política externa dos EUA que continua a mesma independente do presidente, sua política fascista e de intervenção. A questão é a forma que Trump está conduzindo essa política, que continua na linha armamentista, financiando guerras bélicas ou tarifárias, combatendo um inimigo inventado por uma patologia vertiginosa do perigo comunista, ou seja, historicamente qualquer país com política nacionalista, voltada para seu próprio povo é considerado comunista, um inimigo a ser combatido.
Com certeza Trump está de olho e preparado para intervir de alguma maneira nas eleições da Bolívia e Chile em 2025 e Colômbia e Brasil em 2026. Democracia para os EUA é falácia e tem outro significado no dicionário da CIA, criada em 1947, e desde então vem derrubando governos democraticamente eleitos, de diversas formas.
O que isso tem a ver com cinema, CineLivre? O cinema latino-americano após a Segunda Guerra Mundial, na década de 1950, passa a se posicionar com uma produção voltada à realidade, mostrando a resiliência do povo.
Baseado em fatos históricos, mostra que o povo em algum momento se levanta. Realizadores que viveram a Revolução Boliviana de 1952, que se inspiraram na Revolução Guatemalteca de 1944 a 1954 e seus desdobramentos, do sucesso da Revolução Cubana de 1959 e sua incrível resistência até a atualidade.
Tudo é muito inspirador a esse cinema militante, que busca sua própria linguagem e narrativa. Esse “Nuevo Cine Latino-Americano” que começa a surgir nos anos de 1950 é a grande resposta para as consequências de medidas autoritárias, quando um governo dá “as costas” ao povo.
Todo cinema educa e forma opiniões, a questão é separar o “joio do trigo”. Esse cinema que mostra questões importantes na América-Latina é que precisamos ter acesso e que consequentemente nos instiga a conhecer mais sobre nosso continente, sobre suas lutas e resistências, onde podemos buscar algumas respostas.
Foi o que disse ao mundo “A Guerra da Água”, em Cochabamba na Bolívia no ano 2000, representada nos filmes, “La Guerra del Agua”, de Carlos Pronzato, de 2007, "También la Lluvia", de Icíar Bollaín, de 2011 e “The Corporation”, de Mark Achbar e Jennifer Abbott, um documentário bastante conhecido lançado em 2003.
Não se trata bem sobre tarifas, mas de intervenções, como tantas realizadas na América Latina pelos EUA e seu FMI, mas a Guerra da Água, desconhecida por muitas pessoas e que raramente é assunto nas academias, causou um grande questionamento ao mundo, quanto a privatização dos recursos naturais, básicos para a existência humana, da vida.
Na Bolívia, em pleno governo de Hugo Banzer, um general golpista do exército que em 2000 era presidente eleito democraticamente na Bolívia, ao pedir financiamento ao Banco Mundial, foi exigido privatizações, incluindo privatizar a água do país, entregando os recursos hídricos a empresa estadunidense Bechtel, uma transnacional que através de sua filial Aguas del Tunari na Bolívia, em Cochabamba, aumentou a conta da água para mais de 300%, inclusive proibindo as pessoas de coletar a água da chuva.
Não demorou muito para o povo se levantar e transformar a cidade numa verdadeira praça de guerra, resultando no cancelamento do contrato com a estadunidense Bechtel. É uma satisfação ver o exército sendo colocado para correr, essas cenas estão no documentário “La Guerra del Agua”, que traz depoimentos de quem participou do processo e seu desdobramento que culminou na eleição do primeiro presidente indígena da Bolívia, Evo Morales nas eleições democráticas de 2005, que além de criar o Ministério das Águas e nacionalizar todos os recursos naturais, em 2009 o país muda de nome e passa a ser Estado Plurinacional da Bolívia.
Talvez seja o desfecho inclusive da própria Revolução Boliviana de 1952 que em seu processo trouxe formação política de classes aos trabalhadores mineiros, camponeses e indígenas.
Podemos citar diversos exemplos de filmes que tratam sobre levantes populares como o filme “Actas de Marúsia” de Miguel Littín, de 1976, ou a cinematografia do boliviano Jorge Sanjinés, que viveu a Revolução Boliviana e realizou filmes que tratavam da cultura indígena e seus levantes, contra políticas de embranquecimento e mesmo de revoltas populares no contexto da Revolução Bolivariana. Filmes já indicados em outras edições do Simplificando Cinema.
Os filmes sobre a Guerra da Água estão disponíveis no YouTube:
Também vamos dispor um trabalho acadêmico para ter uma base maior para quem se interessar pelo assunto, da mestranda da UFF, em Geografia, Nathalie Drumond.
Essas dicas de filmes ilustram um capítulo negligenciado da História da América Latina e quanto ao poder do povo de se levantar contra injustiças, contra a política Neoliberal de austeridade, querendo privatizar até a alma do povo.
Para essa gente não existe limite, até o povo se levantar e mostrar o limite para essa gente. Precisamos cada vez mais fortalecer políticas nacionais e sociais. Precisamos de autonomia para decidir nosso próprio destino e o cinema é uma ferramenta que precisa ser utilizada para esse fim. Esse processo passa principalmente pelo fortalecimento das culturas locais que também fazem parte dos direitos básicos do povo.
Bom filme a todes!
Por Angelo Corti, idealizador do projeto Cine Livre Latino-Americano
Mercado de streaming na África tem apenas 2% de conteúdo local e prova na prática que desregulação é malefício
A análise da Fabric, Media Partner do MIC África, revelou que o mercado africano de streaming já conta com 560 plataformas em 2025. Contudo, dentre as 60 mil obras disponíveis nos acervos, apenas 2% é de produções locais, enquanto 97% é estrangeira e 1% são obras com co-participação africana. O top 3 das plataformas mais vistas no continente é a Netflix em primeiro lugar, presente nos 60 países do continente, seguida pelo Prime Video que está em quase todos os países, fechando o ranking com a Showmax em terceiro lugar, presente em 44 países.
Mesmo com a força de mercados como Nigéria, Egito e África do Sul, a distribuição de filmes das obras é controlada por países estrangeiros. O top 3 dos países com mais obras fica com EUA em primeiro com 27 mil obras, seguido pela Índia com 10 mil obras e Reino Unido com 6 mil obras fecha os três primeiros lugares. A nível de comparação, o maior produtor audiovisual do continente africano, o Egito, tem apenas 449 títulos, seguido da Nigéria com 447 e África do Sul com 175 títulos.
Mais uma vez a realidade do streaming se mostra: onde não há regulamentação, como é o no continente africano, inclusive com fracas leis de proteção ao audiovisual local, as corporações não demonstram qualquer interesse por obras que fujam do nicho EUA/Europa, o que mostra que a ideia que esse modelo de negócios busca democratizar o acesso ao audiovisual é pura balela. Vale lembrar ainda que a colonização cultural é um projeto político de propaganda, coisa que os EUA faz muito bem.
O continente africano sofre com os mesmos problemas dos seus irmãos da América Latina. Por aqui também temos um mercado desregulamentado para o streaming, forte lobby hollywoodiano e com problemas na distribuição das obras. (No TelaViva)
Entidades dos meios de comunicações comunitários do México alertam para os perigos da nova legislação
Na última edição, o Simplificando Cinema trouxe a notícia de que a criação da Comissão Reguladora das Telecomunicações e uma nova legislação da área já haviam sido aprovadas pelo Senado mexicano, entretanto, as mudanças ainda não agradam setores de comunicação comunitários.
Mesmo com a presidente Claudia Sheinbaum afirmando que as mudanças trazem uma nova oportunidade de apoio financeiro aos meios independentes, membros da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC, na sigla mexicana) temem que o repasse de até 10% do orçamento de publicidade oficial possa se perder para os meios de comunicação comerciais, visto que a nova legislação não estabelece bases claras para isso.
Além disso, a mudança de caráter do órgão, que deve deixar de existir como autarquia para se tornar uma espécie de secretaria dentro da Agência de Telecomunicações, preocupa quanto a sua independência do governo, o que vinha sendo ideal para estabelecer uma ampla regulamentação, que por muito tempo solidificou o caminho para que os meios de comunicação comunitários pudessem permanecer. (No Observacom)
Adorei a News de hj! Preciso entender mais sobre a revolução boliviana e a guerra da água