Simplificando Cinema #56
Senado Federal aprova PL da regulamentação do streaming em cenário desfavorável para o setor audiovisual independente
Depois de meses com uma pauta sem avançar e sem abrir tantas brechas para as associações, o Senado Federal aprovou na última terça-feira (16), o PL 2.331/22, que trata da tributação das plataformas de streaming, mas sobram polêmicas no texto, que valorizam as empresas estrangeiras em detrimento aos produtores locais.
O maior entrave do texto é a cobrança de 3% do Condecine VOD, um tributo pago pelas próprias empresas audiovisuais para gerir o setor e que tem como destinação prioritária o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), sendo reinvestido posteriormente em novos editais de produção e distribuição audiovisual.
Além de ser um valor bem abaixo do que outros países cobram (à título de comparação a França cobra uma alíquota de 25%, a Espanha fixou a sua em 5% e a Dinamarca vem brigando pelo direito de ter 10%), o PL abre brecha para as plataformas investirem parte desse valor em seus próprios originais, já que podem obter um desconto de 60% do valor no pagamento desde que invista em licenciamentos e novas produções, que para este caso seriam os originais que já estamos acostumados a ver.
Com essa oportunidade, as plataformas continuariam contando com o apoio de grandes produtoras brasileiras para a realização das produções, deixando de lado a produção independente que hoje já possui um espaço mínimo de exibição no catálogo.
O atual modelo de tributação e desconto também não delimita nenhuma contrapartida quanto aos direitos patrimoniais das obras, o que abre a oportunidade dos conglomerados reterem todos os direitos como já é feito hoje. Ou seja, a decisão de cancelamento ou encerramento de parcerias continuaria sendo feito de maneira unilateral e sem que profissionais brasileiros tivessem acesso aos projetos, não podendo movê-los para outras plataformas ou canais de TV.
Em defesa por uma regulamentação mais justa no Senado Federal, o senador Humberto Costa (PT/CE) lembrou que a França já possui regras para regular o mercado, mas não entrou em detalhes que regras seriam essas, mas a gente explica brevemente.
Além de uma alíquota alta de investimento das plataformas em produções francesas, principalmente independentes, a França exige contratos de licenciamento com prazos entre 24 meses a 36 meses.
Na prática isso significa que os responsáveis pela obra podem negociar, ao fim deste prazo, se desejam continuar com produção no catálogo ou se querem levá-la para outro canal, podendo até mesmo ser exibida em mais de um lugar ao mesmo.
Além disso, a obra segue sendo reconhecida como francesa, o que eleva a projeção de mercado do país e traz confiança em futuros investimentos. Nada disso está sendo comentado ou elaborado para a regulamentação brasileira.
MinC manda garoto de recados no Senado para falar que está descontente com o rumo da regulamentação
Na esteira do absurdo dos descontos que se torna um presente para os conglomerados, o Ministério da Cultura segue se omitindo de defender às claras a regulamentação. Desde o início das discussões nas casas legislativas no ano passado, o posicionamento ministerial tem sido tímido e de zero embates, tudo para não assustar o Centrão.
A raiz deste problema começa pelo apoio dos partidos que compõem esta corja criminosa na Lei Paulo Gustavo, entre eles o próprio Eduardo Gomes (PL/SE), que se apossou da pauta do streaming e se tornou relator do PL em questão.
Desde então, a comunicação do MinC para a população sobre a regulamentação tem sido completamente nula. Não há fios informativos na conta oficial do Twitter, não há vídeos no Instagram ou TikTok, e tudo parece estar caminhando muito na Cultura para quem não está por dentro das situações que estão surgindo, afinal, válido é apenas falar sobre o look da ex-BBB Pitel, no programa final da edição de 2024, mesmo que milhares de artistas alagoanos estejam sofrendo com a má aplicação da mesma Paulo Gustavo que teve apoio do Centrão e correm o risco de não receberem quase nenhum recurso financeiro proveniente desta regulamentação do streaming.
E dessa forma segue a comunicação por trás das portas, que transformou o senador Humberto Costa e a secretária do audiovisual, Joelma Gonzaga, nos porta-vozes oficiais do Ministério, expressando que o órgão estaria descontente, sem entrar em muitos detalhes, um embate que sequer existe.
É frustrante termos esse posicionamento de um dos órgãos mais importantes deste novo governo Lula, afinal, o desastre cultural com Bolsonaro merecia uma reforma profunda, o que não veio até o momento, e pelo andar lento desta carruagem, não virá.
Há quem defenda justificando que não estamos mais em 2003, e é verdade, os Poderes são outros, mas os artistas estão com fome, com dívidas e abandonando carreiras que investiram tempo e dinheiro por não terem ao seu lado forças políticas que deveriam estar lutando pelo mínimo de estabilidade na profissão.
Entidades do audiovisual querem que Conselho Superior de Cinema tenha mais acesso à regulamentação, o que já deveria ter sido feito desde o ínicio
No topo do tripé institucional da política audiovisual está o Conselho Superior de Cinema (CNC), responsável por discutir e formular as políticas necessárias para o setor, e consequentemente deveria ser o elo mais importante na discussão sobre a regulamentação do streaming.
Tendo um novo corpo realmente diverso e independente, o novo CNC é um dos poucos acertos políticos do governo atual, mas ainda não consegue furar o domo de ferro criado pelas ratazanas no parlamento.
Com este cenário pouco amigável, entidades do audiovisual que estão na linha de frente da luta por uma regulamentação justa em todos as esferas, publicaram uma carta exigindo uma maior participação do CNC na construção legislativa, já que seus membros foram escolhidos pelo próprio setor e precisam estar colaborando.
Cinema Originário
Nesta edição do Simplificando Cinema vamos indicar filmes realizados por indígenas de diversos povos situados em território brasileiro.
Dia 19 de abril é o dia em que celebramos a luta e a resistência dos povos originários, ainda sob uma égide colonialista, que sob uma nova roupagem, continua com o projeto de aniquilação de uma “raça”, ou seja, a modernidade cria esse conceito de “raça” para inferiorizar o outro, de outra cultura e passa a dominá-lo.
Na contemporaneidade, principalmente no século XIX, vemos as teorias racistas em curso para legitimar o domínio do continente africano, asiático e Americano, por potências Europeias, inclusive os EUA. O racismo científico legitimou o genocídio de povos em todos os continentes, mesmo que essa teoria maldita, absurda e mentirosa, tenha caído por terra a muito tempo, continua em curso pela violência colonial e eurocêntrica que ainda nos domina.
Toda essa herança colonial está presente através da colonialidade, como vemos no conhecido texto do sociólogo peruano Aníbal Quijano, “Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina”. Atualmente temos a valorização de autores decoloniais nas universidades e isso realmente é uma virada de chave magnífica que nos permite realizar nossa própria episteme dos efeitos da colonização, nesse caso, na América Latina, partindo de uma visão decolonial, ou seja, que o colonizado se emancipe e produza conhecimento, valorize sua cultura e desenvolva sua independência e que se desvincule da aniquilação que a estrutura eurocêntrica acadêmica proporciona em nossa diversidade.
O fato de hoje termos cineastas de diversos povos originários comprova que essa decolonização está em curso. Contar suas próprias histórias e mostrar suas culturas ao mundo é fundamental. Se utilizar de uma tecnologia criada pelo europeu, nas mãos de um indígena é ressignificá-la e usar ao seu favor para sua luta e sobrevivência.
O projeto Vídeo nas Aldeias, criado pelos indigenistas Vincent Carelli e Virgínia Valadão em 1986 teve grande importância para o surgimento de cineastas indígenas. Vale conferir o site do projeto que hoje é uma ONG (Vídeo nas Aldeias)
Atualmente contamos com cineastas indígenas em diversos povos nos possibilitando notar e conhecer suas particularidades, sua língua e cultura, que diferenciam cada um dos povos indígenas.
No Spcine Play temos a oportunidade de apreciar uma das cineastas mais destacadas do país, Graciela Guarani. Indicamos o curta-metragem “Tempo Circular” (2018), sobre a compreensão do tempo para a nação Pankararu, do Sertão Pernambucano.
Já no sul do país no RS através do curta “Mbyá Nhendu – O Som do Espírito Guarani”, temos a oportunidade de conhecer a importância música para os Mbya Guaranis. (Spcine Play)
Também no Spcine Play, “Osiba Kangamuke - Vamos Lá, Criançada” (2016), de Thomaz Pedro, Tawana Kalapalo, Veronica Monachini e Haja Kalapalo, podemos conhecer o dia-a-dia das crianças Kalapalo, do parque indígena do Xingu no Mato Grosso.
No Itaú Cultural Play “Yãmĩyhex – As Mulheres-Espírito” (2019), de Sueli Maxakali e Isael Maxakali. O filme documenta a festa de despedida das mulheres-espírito da Aldeia Verde em Minas Gerais.
“Bicicletas de Nhanderú” (2011), de Patricia Ferreira e Ariel Duarte Ortega. Traz a cosmologia e a espiritualidade do povo Mbyá Guarani. Na plataforma Isuma.TV
No Prime Video BR, temos o contundente “Meu Sangue é Vermelho”, de Graciela Guarani e Thiago Dezan, 2019. O documentário acompanha a trajetória do rapper, Werá da etnia Guarani Kaiowá, que vai buscar inspiração de suas músicas com seus parentes perseguidos por fazendeiros, onde inclusive muitos já foram mortos por defenderem suas terras.
Essas foram algumas dicas de Cinema Indigena, que hoje é uma realidade, que vem crescendo.
Governo argentino oficializa a paralisação dos editais do INCAA; medida pode afetar o Brasil
Depois de vários recados nada amigáveis e a publicação das novas regras pelo novo presidente do órgão (entenda melhor neste episódio do podcast), o governo argentino divulgou esta semana a oficialização da paralisação do fundo de fomento do INCAA.
Entre as novas regras, é exigido que produtores que tenham sido aprovados em editais passados, mas que ainda não possuem parecer administrativo, devolvam os investimentos, em uma manobra autoritária que quase chama os trabalhadores de bandidos – ladainha conhecida por aqui.
A justificativa segue sendo o déficit orçamentário, só não se sabe de onde, já que quem financia o Instituto é o próprio setor, bem aos moldes da Ancine. (No Latam Cinema)
MinC e Ancine lançam edital de co-produção com o Uruguai
Enquanto a vizinha Argentina vai dando para trás nos acordos de co-produção, o vizinho Uruguai festeja a abertura do primeiro edital de co-produção com o Brasil após os anos Bolsonaro.
Feito de maneira simultânea, este novo edital terá um orçamento total de R$2 milhões e as inscrições do lado brasileiro começam no dia 15 de maio. Para saber mais sobre a chamada pública, acesse o link direto no site do BRDE.
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