Simplificando Cinema #93
[Edição Especial] Jandira Feghali apresenta seu parecer para o PL do streaming, mas legislação já vai nascer obsoleta.
Na última terça-feira, (08/04), a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), apresentou seu parecer sobre o PL nº 2.331/22, do qual é relatora, e mudou alguns parâmetros que haviam sido acordados ainda em 2023 quando a pauta estava com o senador Eduardo Gomes.
Entre as mudanças, está o aumento do tributo Condecine de 3% para 6% para plataformas como Netflix, MAX, Prime Video e semelhantes, além de uma cota de tela relevante que pode chegar a 700 obras brasileiras para serviços de streaming com 7 mil ou mais obras em catálogo.
No entanto, as mudanças e o rumo da discussão ainda merecem uma atenção bem maior do que o disposto, visto que debates relevantes como a TV 3.0 não são citados, elevando uma preocupação de até quando essas definições realmente farão sentido para o mercado online.
Abaixo, vamos analisar uma por uma para você conhecer. Lembrando que esta é uma análise do Simplificando Cinema, realizada por Marina Rodrigues, produtora e consultora audiovisual que acompanha e estuda o tema há pelo menos 6 anos.
O que mudou com o parecer da deputada Jandira Feghali
Definições: Jandira começa seu parecer deixando claro que esta regulamentação é sobre “provedor de plataforma de compartilhamento”. Ou seja, exclui-se aqui a possibilidade de se dirigir a provedores de TV e programadoras, embora a maioria das plataformas se encaixe na segunda opção.
O objetivo disso é até louvável, uma vez que essa galera já está regulamentada pela Lei da TV Paga, evitando assim uma possível bitributação, mas é aí que está o primeiro erro da regulamentação brasileira.
Se estivéssemos em 2017, faria sentido pensar o streaming como uma plataforma a parte do que conhecemos enquanto televisão, afinal, naquela época havia poucas ofertas de ‘Originais’ e os catálogos eram, em suma, um amontado de licenciamento de vários lugares.
Este cenário foi mudando rapidamente, quando começamos a ter a oferta de jogos de futebol no Prime Video pela sua parceria com o Premiere, e mais recentemente temos programação ao vivo na Globoplay, na MAX e no próprio Prime Video.
Dessa maneira, quando falamos em plataforma de Video sob Demanda, o famoso VOD, não podemos mais estar falando apenas em provedor de plataforma de compartilhamento, pois o streaming já deixou de ser um mero “outsider” do mercado e passou, ele próprio, a entender que a transformação da TV passa pela oferta do conteúdo online, afinal, é inevitável não pensar, por exemplo, na força que temos com o YouTube nos anos mais recentes.
Para o entendimento da Ancine, as plataformas não podem estar reguladas na Lei da TV Paga, visto que não existe um serviço de acesso condicionado, ou seja, não precisam estar ligadas a empacotadoras e sinais de recepção (antena) para proverem conteúdo. Mas será que é realmente assim?
Hoje, um ex-assinante de TV a cabo ou um usuário desta mídia que está descontente com o serviço, mas não quer cancelar a assinatura, têm a possibilidade de adquirir pacotes como Claro TV+ e SKY+ que já oferecem Netflix, MAX, Disney e até outras, tendo dado início a um protótipo do que será a TV 3.0, um espaço compartilhado em que será possível acessar a TV aberta, a TV fechada e as plataformas de streaming juntas em um único lugar.
Com isso, abre-se um precedente difícil de negar de que as plataformas são cada vez mais dependentes da estrutura das operadoras para funcionar, afinal, elas precisam do acesso à rede para exibirem seus conteúdos, isso sem falar na possibilidade de programação ao vivo, cujo delay é motivo de reclamação em uníssono e a TV 3.0 também vem com o intuito de diminuir este tempo.
Devemos lembrar ainda que o movimento das plataformas a abandonarem seus canais na TV a cabo para criarem seus próprios canais de transmissão no streaming, um movimento que já era claro quando o Prime Video fechou parceria com o Premiere e passou a exibir jogos de futebol ao vivo, então, não, em nossa visão, essas plataformas já deixaram de ser apenas de compartilhamento, elas são TV online e seguirão por este caminho quando a realidade da TV 3.0 for lançada.
Esta realidade, inclusive, não está nem um pouco longe. Um dia antes do parecer da Jandira, tivemos a notícia de que os primeiros protótipos da antena da TV 3.0 foram apresentados no NAB Show, um evento de mercado que ocorre em Las Vegas, Estados Unidos, país que curiosamente sequer pensa em regulamentação e tem cada vez mais autorizado fusões dos principais conglomerados para esta mudança de cenário no streaming.
Corrija-nos se estivermos errados, mas me parece que as definições primárias da TV 3.0 já se assemelha bastante ao que temos na Lei do SeAC, logo, é um erro a curto prazo pensar a regulamentação do streaming no Brasil como uma legislação a parte e não como parte integral de um marco regulatório de mídia.
Se queremos nos espelhar nos europeus que já resolveram sua vida, precisamos ter ciência de que a Diretiva europeia que instaurou a regulamentação do streaming na União Europeia não é uma lei a parte, ela faz parte do marco regulatório de mídia de todos os países, prevendo regras claras para TV aberta, TV a cabo, plataformas e afins.
Por que faríamos diferente disso? Em nossa opinião, é entregar ainda mais o ouro na mão de conglomerados que já estão, inclusive, apressando a aprovação da legislação do jeito que é mais conveniente.
Cota de tela: Jandira faz um acerto quanto estabelecer a exigência de espaço para obras brasileiras nos catálogos. Prevendo 10% de cota (bem maior do que os 3% da TV a cabo), a obrigação já prevê que pelo menos 25% do número de obras para cada plataforma (que variam de 200 a 700 obras dependendo do tamanho do catálogo) já estejam sendo cumpridas no primeiro ano que a regulamentação estiver em vigor.
Embora seja um acerto e algo relevante para o Brasil (esqueça os 30% europeu aqui, não iríamos chegar nesta porcentagem mesmo que esta discussão estivesse sendo feita no tempo correto, mas vocês estão livres para me enviarem mensagens para discutirmos essa visão), Jandira não reforça questões como a exigência de visibilidade no catálogo ou ainda a facilitação da busca por títulos, o que deixa muito nublado nosso entendimento de como serão adaptadas essas obras nas plataformas.
Prazo de adaptação: Jandira estipula um prazo de 4 anos para que as plataformas se adaptem às novas regras. Para que tanto tempo para algo mínimo? Se queremos sempre falar em União Europeia, devemos lembrar que o prazo de adaptação lá foi quase que imediato. Em nossa opinião, este tempo pode servir como uma brecha para as plataformas se adaptarem, sim, mas se adaptarem a realidade da TV 3.0, com seus serviços lotados de programação linear e se esquivando da obrigação de pagamento da Condecine por justificarem serem outra coisa.
Dedução da Condecine: A deputada também faz um movimento a favor dos conglomerados ao permitir o desconto no pagamento dos 6% em cima da receita bruta anual para o FSA. Este desconto pode ser garantido caso as plataformas comprovem outros investimentos no audiovisual nacional, como o licenciamento de obras com 5 anos ou mais e investimentos diretos.
Junta-se a isso a uma cota de tela sem previsibilidade de visibilidade em catálogo e abrimos um precedente para o streaming mexa com o mercado de licenciamento do Brasil, adquirindo obras para cumprir com a cota, impondo o preço que quiserem, ainda que o PL fale em ineditismo no formato, mas sabemos que, na prática, a coisa não é esse conto de fadas.
Nossa avaliação final é que a regulamentação segue bastante frouxa e muito pouco eficaz. É claro que entre ter alguma garantia e não ter nada, é muito melhor termos algo, principalmente os trabalhadores que seguem sofrendo por conta da falta de direitos autorais e patrimoniais das suas obras.
No entanto, fica o apelo para que as agências Ancine e Anatel comecem a trabalhar juntas para modificar a Lei da TV Paga e incluir o streaming futuramente lá. Estamos em um momento de convergência que não vai demorar para se solidificar e o Brasil vai ficar com uma lei obsoleta nas mãos em menos de 5 anos.
O Western nos Cinemas Latino-Americanos
Está em cartaz em alguns cinemas privilegiados do país, o segundo longa-metragem de ficção do cineasta goiano, Erico Rassi, “Oeste Outra Vez”. O filme está em sua terceira semana nos cinemas e acabou não tendo a mesma repercussão e oportunidades ($) de, “Ainda Estou Aqui” e “Vitória”.
Em “Oeste Outra Vez”, Rassi dá uma roupagem de Western, num filme fascinante, mas temos uma nítida reinvenção do gênero que serve à narrativa proposta pelo autor. O filme nos reserva cenas memoráveis logo nas cenas iniciais. A mulher dando as costas e abandonando esse universo decadente e machista logo no início do filme é muito simbólico.
Na verdade, a mulher continua presente através da ausência, nesse universo ultra-conservador que não concebe um homem, sem uma mulher ao lado. Esse pensamento machista e patriarcal, muito bem explorado no filme, traduz o homem carente de oportunidades, carente de afeto, brutalizado pelo mundo. É o universo de "los de abajo", uma identidade latino-americana. Mas não podemos jamais nos esquecer das violências que as mulheres sofrem neste país nas mãos de homens exatamente com o perfil que o filme nos apresenta. Sem dúvidas um filme belíssimo, paisagem belíssima do sertão de Goiás, trilha sonora impecável. Cinema goiano representando.
Até o momento, pelas impressões nas redes sociais, é o melhor filme do ano, e não perde para nenhum filme do Oscar. Oscar significa muito investimento, um valor muito maior que a própria produção do filme, o Oscar nos ajuda a ter visibilidade, mas não é uma baliza de qualidade. “Oeste Outra Vez” está em cartaz nos cinemas, mas para quem quiser conferir o primeiro longa ficção de Erico Rassi, “Comeback”, de 2017, está disponível no Sesc Digital
O gênero Western é um dos mais explorados no cinema mundial, bastante utilizado nas narrativas e inclusive foi um gênero que também foi reinventado e inspirou os cineastas do Cinema Novo brasileiro como, Glauber Rocha em “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e o cinema da Boca do Lixo, que realizou diversos westerns terceiro-mundistas, mas o nosso destaque vai para “Meu Nome é Tonho”, de Ozualdo Candeias, 1969.
O próprio título dá o tom do filme. Ozualdo reformula o gênero e realiza um filme de sátira anticolonial, mas a sátira e o escracho da boca do lixo são sempre politicamente contundentes e o filme é carregado de críticas e denúncias a ditadura militar e a verdadeira matança realizada pelos latifundiários com o povo do campo no final da década de 1960. O filme está disponível em boa qualidade no YouTube no Canal do Rosso
Os realizadores argentinos também realizaram diversos filmes utilizando da linguagem do Western e um dos excelentes filmes que se apropriaram do gênero foi “Juan Moreira”, de Leonardo Favio, de 1973. Um clássico do cinema argentino, que conta a história de um personagem real, emblemático na Argentina, Juan Moreira, que no século XX era um trabalhador da terra e que acabou, por injustiças sofridas, se tornando uma pessoa temida, um rival a ser batido. Um excelente personagem para um Western. O filme está disponível no YouTube em boa qualidade no Canal Cine.Ar
“El Topo”, do chileno Alejandro Jodorowsky, 1970, filmado no México, um filme chocante desde as primeiras cenas, violento e cômico, um Western surrealista, como é chamado pela crítica. Com o próprio Jodorowsky protagonizando o filme ao lado de seu filho Brontis Jodorowsky, que faz o papel do garoto, filho de El Topo. O filme é uma jornada violenta e bizarra, mas é um clássico do cinema e sem dúvida é uma excelente experiência cinematográfica. O filme você encontra no Canal do YouTube Damián Losada
Do Chile nós temos um dos melhores filmes latino-americanos dos últimos anos e faz um excelente uso do gênero Western, para contar uma história de colonialismo e genocídio indígena, “Los Colonos”, de Felipe Gálvez, 2024. Três homens partem para uma jornada, para demarcar as terras de um latifundiário, mas, na verdade, a missão é outra. O filme trata sobre a barbárie de um país querendo se consolidar em uma identidade nacional, exaltando seu povo civilizado e com hábitos europeus.
Algo que fica muito claro é a resistência dos povos originários, principalmente em uma cena específica, onde o personagem se quer dizer uma palavra. Emocionante. Em seu contexto, o filme representa o avanço de imigrantes e latifundiários para o sul do Chile no início do século XX, invadindo territórios e exterminando os indígenas. O filme está disponível na Mubi.
Essas foram algumas dicas sobre a influência do Western nos Cinemas dos países latino-americanos. Existem muitos filmes maravilhosos na nossa cinematografia que se utilizam e reinventam o gênero do Western.
Por Angelo Corti, idealizador da página Cine Livre Latino-Americano
Valeu gente, essa foi uma das melhores newsletter sobre o tema. E legal mencionarem a questão da facilitação na busca pelos titulos, porque de fato não é um por menor, meus amigos da area ficaram chocados quando compartilhei que a netflix tem mais de 5 mil titulos e amazon 7, segundo a ancine. O algoritmo trabalha pros originals e a “verdadeira cota” fica escondida. E sobre os filmes latinos: Leonardo Favio gigante! Como pode o maior diretor argentino ser tão desconhecido por aqui? Porra Darín! Rs